terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Resenha | A História Sem Fim - Michael Ende


"'Gostaria de saber', disse para si mesmo, 'o que se passa dentro de um livro quando ele está fechado."
- Bastian Baltasar Bux


A história sem fim (Die Unendliche Geschichte), do escritor Alemão Michael Ende, nos conduz a uma experiência literária, no mínimo, interessante. O romance  apresenta Bastian Baltasar Bux, um garotinho com dificuldades de relacionamento, baixinho, gordinho e com notas baixas na escola. A típica criança reclusa e retraída. Com sua mãe já morta e seu pai, que é dentista, completamente alheio a seus problemas, Bastian procura refúgio na literatura.  O que leva à cena de apresentação.

Bastian entra na loja de um alfarrabista, e sente-se extremamente atraído pelo livro que o homem tem em mãos, então, num momento de descuido do homem, Baltasar não resiste, rouba o livro, corre e se esconde no sótão de sua escola, local do qual ele decide que não sairia antes que terminasse de lê-lo. Este livro misterioso chamava-se  A história Sem fim.  A partir de então, passamos a acompanhar a leitura que o menino faz do livro. A estória dentro da estória (sim, sou adepto ao neologismo roseano).

A História Sem Fim relata um vasto reino chamado Fantasia, lugar de criaturas extraordinárias como os fogos-fátuos, os come-rochas, os gnomos-noturnos e os minúsculos, cada qual com características físicas e comportamentais bastantes diferentes umas das outras. Todos eles governados por uma só pessoa: A Imperatriz Criança.  

Descobre-se então que o reino está correndo grave perigo, pois, o Nada (sim, o nada), está consumindo todas as cidades e vilarejos de fantasia, algo que reflete diretamente na saúde da Imperatriz. Só há uma criatura capaz de partir em busca da Salvação de Fantasia. Chama-se Atreiú.

Atreú é um pele-verde. Os peles-verdes têm os cabelos cumpridos e trançados, de uma cor negro-azulada com tom de pele verde-escuro. Eles são educados na coragem e no orgulho, e, são exímios caçadores. Sua caça são os búfalos gigantes.  

Michael Ende tem um domínio narrativo excepcional, e apesar de inserir muitos personagens em fantasia, sempre amarra todas as pontas. Ele caminha entre a narrativa de fantasia e a narrativa da realidade (foco em Bantian) com tranquilidade e competência, dando bastante fluidez ao texto.

É possível dividir o livro em duas partes, a primeira com características mais fantásticas, muita descrição e apresentação de personagens. A segunda conduz o leitor por questionamentos filosóficos e cosmológicos através de máximas existenciais, e, inclusive sociológicas, abordando um topos literário que o da necessidade de intervenção da literatura, e, mais especificamente da fantasia, na realidade. Tudo isso, como dito antes, muito bem amarrado e colocado, típicos das escolas filosófica e fantástica alemã. 

domingo, 4 de janeiro de 2015

Resenha | A Espantosa Vida de Octavian Nothing - M.T. Anderson

“De semblante posto no chão – e todavia negando resposta – ele sussurrou: – Nunca morei nem dentro de mim mesmo”

M. T. Anderson, autor de Octavian Nothing, é formado em literatura de língua inglesa pelas Universidades de Harvard e Cambridge, e autor de vários romances para o público jovem. Octavian rendeu-lhe o National Book Award, o Michael L. Printz Honor e o Boston Globe - Horn Book Award.

Octavian é um garoto criado numa casa de intelectuais da segunda metade do século XVIII, localizada em Boston. Ele recebe, desses intelectuais, uma educação de príncipe, o que lhe proporciona um intelecto invejável. Fala Latim e Grego, toca violino com maestria – sua grande paixão – e domina a literatura clássica. Sua mãe, Cassiopéia, é uma princesa oriunda de um país distante, a qual se torna objeto de desejo dos acadêmicos obtendo sempre mimos, elogios e todas as atenções para si.

Caso as ponderações desta resenha parassem por aqui, o que se esperaria do livro seria uma estória repleta de romantismo, cavalheirismo, lirismo platônico e descrições apaixonadas de campos abertos, dias ensolarados e um amor inabalável. Mas o fato é que há uma característica primordial que escapou (claro, propositalmente) a essa pequena descrição: Octavian e sua mãe eram escravos negros.

Hesitei bastante em revelar o fato de os dois serem negros, pois não nos é narrado logo no início, mas não demora a ser percebido e “confessado” pelo narrador.

A narração é feita pelo próprio protagonista o que nos proporciona um léxico rebuscado (visto que o mesmo é um intelectual) e bastante exato, típico do século XVIII. O inglês arcaico e estilo do período é adaptado a propósitos ficcionais modernos, como é observado pelo próprio autor em nota. As soluções do tradutor são bastante pertinentes e competentes, vale a pena conferir a tradução.

Como pano de fundo temos a Guerra Revolucionária, fato que é essencial no decorrer e desfecho do romance. As cenas de ação, marcadas pelo pretérito imperfeito, são fluidas e extremamente envolventes.

O tom é melancólico e sarcástico, típicos desse autor que chama a atenção para injustiças sociais e desvios de caráter e que assombram o convívio social até a contemporaneidade. Questões cosmológicas, filosóficas e sociológicas são colocadas em xeque, mas é preciso atenção para percebê-las. 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Crônica | Transporte público

Mais um dia de não transporte. Um rosto despertou-me atenção. Os olhos cansados refletiam os anos de labuta, quase me rendi- os olhos são a janela da alma-, mas, que seria do semblante? Das sobrancelhas caídas, a pele que denunciava o quantos tantos anos, quantos deles ignóbeis? Ou a pergunta séria seria quais deles? Negou o assento, escolheu não se render à mera classificação etária, talvez a luta era com Chronos, pareceu ser com a inércia. Eu quis perguntar, talvez só um dia, ou uma época, outra era. Permaneci em silêncio, não quis atrapalhar (deveria?). A senhora se foi, a (e)história também.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Youtube | Video Piloto

E ai pessoal, criamos o vlog e ja tem o primeiro video que é um episódio piloto. Acessem lá!


sábado, 13 de dezembro de 2014

Resenha | Extraordinário - R. J. Palácio


“Toda pessoa deveria ser aplaudida de pé pelo menos uma vez na vida...”
(August Pullman, protagonista de “wonder”)

Escrito em primeira pessoa e num ritmo narrativo bastante envolvente, Extraordinário, traz de forma bastante descontraída, sem deixar de ser séria, a temática da aceitação como diferente e da transição da fase infantil à adolescente ou adulta.

A narrativa se dá em North River Heights, Manhattan, onde mora o protagonista de dez anos de idade August Pullman, juntamente com seus pais Isabel e Nate, e sua irmã mais velha Via. August que dá início à narrativa, nasceu com uma síndrome genética que gerou uma deformidade facial extremamente grave, o que fazia com que Auggie vivesse às margens do mundo que não sabia lidar com ele. 

Então, seus pais – que eram extremamente protetores – , decidiram que estava na hora de Auggie dar um passo além e começar a frequentar a escola, o que não foi bem recebido pelo garoto. Enfim, August resolve embarcar nessa aventura escolar que promete muitas surpresas e muito mais desafios.

O leitor acompanha toda a odisseia do protagonista através de sua própria ótica. O fluxo de consciência do personagem, que, apesar de não ser necessariamente comp
lexo, é bastante interessante, o que faz com que crie-se uma simpatia e amor pelo Auggie, que é esse garoto externamente diferente, mas extraordinariamente envolvente.

Um fator curioso sobre a perspectiva narrativa é que, quando chega-se ao final de algumas das partes do livro, muda-se o personagem que narra a estória, então é possível acompanhar as experiências de cada um dos personagens, fazendo também, com que o leitor tenha uma certa onisciência narrativa.


Divertido, polêmico, atual, Extraordinário soluciona de maneira leve e bastante competente, este caso de rejeição por diferença que ainda, claro que infelizmente, é tão recorrente na atual conjuntura social.  

sábado, 6 de dezembro de 2014

E agora José?

Sim, resolvi começar o blog. Nada seria mais pertinente ao primeiro texto do que falar sobre a criação. Este projeto, que começou a ser gerado agora, já era idealizado há dois ou três anos, antes de que eu começasse a estudar literatura ou que ela se tornasse, de certa maneira, meu objeto de trabalho e estudo. O fato é que existem ad infinitum possibilidades e perspectivas sobre o que é literatura e qual sua função dentro das esferas sociais e mesmo ao indivíduo subjetivado.  De Horácio aos Pós-modernos os assuntos e abordagens são inesgotáveis – e que bom que o são. Então a pergunta que essencialmente me cabe a responder a você leitor (por que a mim já foi respondida): De que vale alguém mais falar de sua perspectiva?
Indaguei-me por muito tempo. Não sei se tempo demais. Perceba, não estou, de alguma maneira, tentando justificar minha paixonite literária, ou dar algum tipo de satisfação, mesmo que assim o faça. Talvez eu só esteja escrevendo o que foi necessário ser respondido a mim enquanto abstraía-me na busca de uma justificativa que satisfizesse o desejo de escrever e falar na internet sobre literatura. Vou me valer (para você, assim como o fiz para mim) de uma citação de um teórico literário que tenho como referência, Octávio Paz: “Escrevemos para ser o que somos ou para ser aquilo que não somos. Em um ou em outro caso, nos buscamos a nós mesmos. E se temos a sorte de encontrar-nos – sinal de criação – descobriremos que somos desconhecidos.” O fato é que, na minha subjetividade, eu me encontro, sou aquilo que sou. Tenho minhas perspectivas, minhas experiências, minha leitura de preferência e por aí caminham as peculiaridades do Ser. Então, por que não aceitar o fato de que alguém se encontre nessa – minha – escrita. Não quero ser pretencioso ao ponto de tentar seduzir ou convencer aqueles que não são a serem ou lerem o que sou ou escrevo. Quero, de fato, que aqueles que são encontrem-se e descubram-se nessa criação.



“A grande literatura é apenas uma linguagem carregada de sentido até ao mais elevado grau possível.” – Ezra Pound